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Aplicativos transformam mercado de trabalho no Brasil, mas aprofundam precarização

A expansão dos aplicativos de transporte de passageiros e entrega de mercadorias representou uma mudança estrutural no mercado de trabalho brasileira na última década, contribuindo para elevar o nível de ocupação e reduzir a taxa de desemprego. É o que indica um boxe analítico divulgado pelo Banco Central em seu Relatório de Política Monetária do terceiro trimestre de 2025. Utilizando dados da PNAD Contínua, o estudo busque mensurar o impacto dessas plataformas, que passaram de 770 mil para 2,1 milhões de trabalhadores entre 2015 e 2025 – um crescimento de 170%, contra 10% do total de ocupados no país.

A relevância do fenômeno é tamanha que, a partir de 2020, o “transporte por aplicativo” foi incorporado à cesta de produtos do IPCA, índice oficial de inflação. Em agosto de 2025, seu peso era de 0,3%, superior, por exemplo, ao subitem “aluguel de residência” (0,17%).

Metodologia contrafactual: como seria o mercado de trabalho sem os apps?

O primeiro exercício do BC consistiu em criar um cenário hipotético no qual o número de “trabalhadores por aplicativos” – definidos como conta própria nas atividades de transporte de passageiros e entrega – tivesse crescido no mesmo ritmo das demais ocupações a partir de 2015, e não de forma extraordinária.

Os resultados mostram que, sem as plataformas, o nível de ocupação (NO) estaria 0,8 ponto percentual mais baixo no segundo trimestre de 2025. Para estimar o impacto na taxa de desocupação (TD) e na taxa de participação (TP – percentual de pessoas trabalhando ou buscando emprego), o estudo considerou três destinos possíveis para esses trabalhadores no mundo sem apps.

Num cenário extremo (chamado de “PD máxima”), todos os 2,1 milhões de trabalhadores de app estariam desempregados, elevando a taxa de desocupação em 1,2 p.p. No outro extremo (“PFFT máxima”), todos estariam fora da força de trabalho, não buscando emprego, o que faria a taxa de participação cair 0,8 p.p., com impacto mínimo no desemprego. O cenário considerado mais realista e intermediário (Cenário 3) aponta que, sem os apps, a taxa de desocupação estaria 0,6 p.p. mais alta e a taxa de participação, 0,2 p.p. mais baixa.

Análise regional confirma tendência de maior ocupação e participação

Um segundo exercício econométrico explorou a dispersão regional do crescimento dos apps. Regiões onde esse tipo de trabalho se expandiu mais tiveram, em média, melhor performance em seus indicadores de mercado de trabalho.

Os resultados sugerem que um aumento de 1 ponto percentual na participação dos trabalhadores de app na População em Idade de Trabalhar (PIT) está associado a um aumento de 1,12 p.p. no nível de ocupação e de 0,87 p.p. na taxa de participação. A estimativa para a taxa de desocupação é uma queda de 0,41 p.p., valor economicamente relevante, mas sem significância estatística.

A conclusão é que os novos postos nos aplicativos não substituíram empregos formais tradicionais e, em sua maioria, atraíram pessoas que estavam fora da força de trabalho. Aplicando esse modelo ao período 2015-2024, o BC estima que o crescimento dos apps foi responsável por uma redução de aproximadamente 0,3 p.p. na taxa de desocupação.

BC vê impacto positivo, mas especialistas alertam para precarização

A síntese do Banco Central é clara: as plataformas digitais foram uma mudança benéfica para os indicadores macroeconômicos do mercado de trabalho, facilitando o ingresso de pessoas na força de trabalho e na ocupação.

No entanto, o estudo do BC não analisa a qualidade desses postos de trabalho. Dados de outras instituições pintam um cenário preocupante. Um relatório do Fairwork Brasil mostrou que nenhuma das principais plataformas cumpre padrões mínimos de trabalho decente, como remuneração justa.

Pesquisa do Ipea revela que a plataformização resultou em jornadas mais longas, menor contribuição previdenciária e queda acentuada da renda média. Para motoristas de aplicativo de passageiros, o rendimento médio caiu de R$ 3,1 mil (2012-2015) para menos de R$ 2,4 mil em 2022, enquanto a jornada semanal acima de 49 horas se tornou mais comum. A proporção desses trabalhadores que contribuem para a Previdência Social despencou de 47,8% em 2015 para 24,8% em 2022.

O paradoxo do mercado de trabalho moderno

Os dados apresentados ilustram um paradoxo do mercado de trabalho na era digital: de um lado, as plataformas são um dinamizador inegável, capazes de incluir rapidamente milhões de pessoas e melhorar indicadores macroeconômicos. De outro, consolidam um modelo de relação laboral marcado pela informalidade, renda volátil e ausência de proteção social. Para economistas e formuladores de políticas públicas, o desafio futuro será regular esse setor de modo a preservar sua capacidade de gerar ocupação, mas garantindo direitos básicos aos trabalhadores.

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