
Em entrevista ao Portal Vermelho, durante o 16º Congresso Nacional do PCdoB, o dirigente cubano Rolando Yero Travieso analisa os efeitos da política de bloqueio norte-americano, o novo programa de governo e o legado de Fidel Castro. Travieso é Chefe do Departamento de Atenção ao Setor Social do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. Diante das agressões externas e dos desafios econômicos, ele afirma que “a unidade, a verdade e a participação popular continuam sendo as armas fundamentais da Revolução.”
Vermelho – Os Estados Unidos impediram a participação de Cuba na reunião do Conselho Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em Washington. Cuba também foi excluída – ao lado da Venezuela e da Nicarágua – da Cúpula das Américas, prevista para dezembro, na República Dominicana. Ao mesmo tempo, cresce a escalada militar dos Estados Unidos no Caribe, enquanto Cuba permanece injustamente incluída na lista de países patrocinadores do terrorismo. Por que esses ataques têm se intensificado?
Rolando Yero Travieso – Há um antecedente claro: o governo de Donald Trump, durante seu primeiro mandato, impôs 243 medidas coercitivas contra Cuba, com impacto devastador sobre a economia, o desenvolvimento social e o bem-estar da população. Essas medidas foram particularmente cruéis por terem sido adotadas durante a pandemia da Covid-19, dificultando o acesso da ilha a insumos básicos para a sobrevivência humana.
Trata-se da velha política norte-americana de asfixiar a Revolução Cubana para tentar restaurar o capitalismo e eliminar o exemplo que Cuba representa para o continente. O governo de Trump, com suas características ultraconservadoras e traços fascistas, também se articulou internamente com figuras da política norte-americana associadas a setores hostis a Cuba. Portanto, não deve surpreender que um dos objetivos dessa administração tenha sido incentivar e intensificar todos os esforços para mutilar a Revolução Cubana.
Vermelho – Recentemente, o governo cubano apresentou um novo programa para enfrentar os desafios econômicos. O ministro da Economia, Joaquín Alonso Vázquez, afirmou que, além de resistir à crise, “é preciso inovar – com criatividade, disciplina fiscal e justiça social”. Quais são as principais metas do Programa de Governo?
Travieso – O programa de governo cubano tem entre suas principais metas enfrentar a atual crise econômica com ampla participação popular, incorporando elementos novos e recorrendo à experiência histórica da Revolução — especialmente do Período Especial, quando o país perdeu quase todas as suas relações comerciais e financeiras internacionais.
Hoje, Cuba vive uma situação semelhante, e por isso o programa busca aumentar as receitas internas, ampliando o acesso à moeda livremente conversível por meio de serviços prestados dentro e fora do país, mesmo diante de ações externas que tentam limitar a atuação cubana no exterior, como na área de serviços e na produção de medicamentos.
Outro eixo central é o incremento da produção nacional, com foco especial nos alimentos. A meta é produzir o máximo possível com recursos internos, garantindo a segurança alimentar da população. Cuba possui uma Lei de Soberania Alimentar e está em diálogo com as bases produtivas para atender às necessidades com os meios disponíveis. Também se busca fabricar localmente artigos de uso doméstico, ainda que simples, para suprir as urgências da população.
O programa contempla ainda a reorganização da empresa estatal socialista, que continua sendo o elemento fundamental da economia cubana. Essa reorganização visa fortalecer a relação entre o setor estatal e o não estatal, conforme previsto na Constituição e nos documentos orientadores do Partido, com o objetivo de recuperar gradualmente a produtividade das empresas e consolidá-las como base da economia e do emprego.
Além disso, há uma forte ênfase na gestão estratégica do desenvolvimento territorial. Cada município e conselho popular deve ter sua própria estratégia de desenvolvimento, respeitando as condições locais — culturais, humanas, naturais e financeiras. O programa apoia o fortalecimento das produções locais, a geração de empregos e a oferta de bens e serviços de consumo, em paralelo à manutenção dos programas nacionais, como o de saúde, que seguem funcionando apesar dos desafios.
A política social também é parte fundamental, com ações voltadas à proteção de pessoas, famílias e comunidades em situação de vulnerabilidade. Em um contexto de dificuldades econômicas, é essencial proteger os mais fragilizados e recuperar conquistas anteriores que foram perdidas.
O programa reconhece ainda a existência de distorções e erros internos, propondo sua correção contínua com participação popular. O povo deve contribuir com a visão sobre o que precisa ser transformado, e o programa será avaliado em instâncias como o Congresso do Partido e a Assembleia Nacional.
Por fim, a experiência socialista cubana mostrou que a resistência depende de três pilares fundamentais: a unidade — impulsionada pelo Partido e pela participação democrática nas decisões —, a verdade — como arma de luta e consciência popular —, e a clareza política e ideológica — especialmente diante da ofensiva imperialista dos Estados Unidos. Esses elementos mantêm vivo o espírito da Revolução e a disposição do povo para enfrentar os sacrifícios necessários.
Vermelho – A experiência socialista em Cuba pode ser dividida em dois grandes períodos: o primeiro, da Revolução de 1959 até o colapso da União Soviética em 1991, e o segundo, iniciado com o Período Especial, que se estende até hoje. Ao longo desses 34 anos, Cuba não apenas sobreviveu à crise do socialismo como também renovou seu caráter socialista e preservou seu pacto social. Quais foram os principais instrumentos de resistência utilizados para enfrentar essa segunda fase, marcada por condições muito mais adversas?
Travieso – O legado de Fidel Castro nos ensina que a unidade é a principal arma da Revolução Cubana. Manter a coesão nacional diante das adversidades é essencial para resistir a qualquer tentativa de fragmentação.
Outro elemento fundamental é a verdade — explicar ao povo as causas de cada problema, garantir uma comunicação transparente e fortalecer a consciência coletiva sobre o contexto nacional e internacional.
E, por fim, identificar o inimigo comum — político, econômico e ideológico — que se manifesta através da política imperialista dos Estados Unidos. Manter viva a consciência crítica e o espírito revolucionário é essencial para que o povo continue defendendo o socialismo com convicção.
Vermelho – O bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos causa graves carências materiais. Como o governo lida com as insatisfações populares diante dessa realidade?
Travieso – Em primeiro lugar, com participação democrática real. O sistema político cubano se baseia na eleição de representantes a partir dos bairros e comunidades, sem intermediação de partidos. Cerca de metade dos deputados da Assembleia Nacional são delegados locais que vivem nas mesmas condições do povo e conhecem de perto seus problemas.
As leis e decisões do governo passam por consultas amplas, o que garante um vínculo direto entre o Estado e a população. Mesmo diante das enormes dificuldades criadas pelo bloqueio, mantemos hospitais abertos, médicos atendendo, escolas funcionando e a proteção social assegurada aos mais vulneráveis. Resistir sem renunciar aos princípios da Revolução é o nosso maior desafio diário — e também nossa maior vitória.
Vermelho – Cuba iniciou em agosto as comemorações do centenário de Fidel Castro. Qual é o legado mais importante do comandante?
Travieso – O legado fundamental de Fidel está sintetizado no conceito de Revolução que ele formulou: “Revolução é mudar tudo o que deve ser mudado.” Isso expressa a essência do nosso processo — uma obra viva, em permanente transformação, que se adapta às circunstâncias históricas sem perder seus princípios éticos e populares.
Fidel nos ensinou que a Revolução não é um evento encerrado, mas um processo contínuo que deve responder às necessidades e ao contexto de cada momento histórico, sempre com base no apoio popular, na ética e na preocupação permanente com o povo.
Seu legado também se manifesta na monumental obra construída nas áreas da educação, saúde, esporte, cultura e no acesso universal aos serviços básicos — como água, alimentação, cultura e lazer — com especial atenção aos mais necessitados.
Além disso, o internacionalismo solidário é um dos pilares que conformam a identidade da Revolução Cubana e do povo cubano. O humanismo e a justiça social continuam sendo os fundamentos morais que orientam nossa sociedade.
Celebrar seu centenário é renovar o compromisso com o socialismo, com a defesa dos valores revolucionários e com o futuro da nação — rumo ao segundo centenário.
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