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O agro é publi: gigantes do agronegócio pagam personalidades brasileiras antes da COP30

Empresas do agronegócio mobilizaram um exército de influenciadores e personalidades nas redes sociais antes da COP30, que termina nesta semana em Belém. Pelo menos 195 influenciadores brasileiros, entre modelos, apresentadores de TV, médicos famosos e ativistas de direita, publicaram conteúdos patrocinados por dez das maiores empresas de carne, fertilizantes e alimentos do mundo nos 12 meses que antecederam a COP30.

O número é mais de duas vezes maior que os 80 influenciadores patrocinados no mesmo período há um ano, segundo análise da organização de jornalismo internacional DeSmog, que a Agência Pública publica em parceria. Juntos, estes influenciadores têm milhões de seguidores no Instagram.

As publicações incluíam afirmações sobre os benefícios da carne para a saúde, esquetes de humor sobre a vida no campo e vídeos com músicas promovendo nuggets de frango e hambúrgueres.

E a COP30 com isso?
  • As crescentes emissões de gases de efeito estufa e o papel da indústria da carne no desmatamento estão entre os principais temas da agenda da Conferência da ONU sobre o clima.
  • Especialistas alertam que o aumento do conteúdo patrocinado por influenciadores pode desviar críticas aos impactos dessa produção para o clima e dificultar que políticos e organizações da sociedade civil defendam mudanças e regulamentações dessa atividade.

‘Meu hambúrguer de pecado’

O cantor pernambucano João Gomes é uma das personalidades recrutadas pelas empresas do agronegócio: ele publicou em março um vídeo em que aparece cantando e dançando ao lado de saxofonistas, depois de comer um hambúrguer bovino da Maturatta, marca da JBS. Ele tem 16,6 milhões de seguidores no Instagram.

Gomes e os demais mencionados na apuração foram procurados nas suas redes sociais para comentar. As respostas estão incluídas na reportagem.

João Gomes faz propaganda para Maturatta, marca da JBS

A médica e atleta amadora Dra. Luciana Haddad também exaltou as virtudes da carne bovina, dizendo a seus 125 mil seguidores no Instagram que estava criando “conteúdo baseado em ciência” para a empresa Minerva. Ela afirmava: “No meu caso, a carne sempre foi essencial para a recuperação e o desempenho!”.

Quando procurada para comentar, Haddad respondeu por e-mail que “toda parceria que faço com empresas tem o mesmo objetivo: ampliar o diálogo e levar informação de qualidade sobre o que realmente importa para o bem-estar… com a Minerva, meu conteúdo é focado exclusivamente na minha área de atuação, ou seja, saúde.”

No festival de música The Town, realizado em setembro na cidade de São Paulo, a influenciadora de moda Bruna Biancardi publicou um vídeo abrindo sua bolsa de grife e mostrando produtos de frango frito da Seara, marca da JBS, com a legenda: “@searabrasil me convidou para mostrar o que eu levo na bolsa nos dias de festival.” Biancardi tem 14,5 milhões de seguidores.

Também no festival, a apresentadora Fátima Bernardes recebeu mais de 100 mil curtidas em um vídeo publicado para seus 13 milhões de seguidores, usando uma air fryer para preparar nuggets de frango da Seara.

Fatima Bernardes fez propaganda da Seara no The Town — festival também patrocinou show com cantoras brasileiras e MAriah Carey em Belém no pré-COP

O próprio festival esteve envolvido nas ações de marketing de empresas ligadas à COP30: o The Town, junto ao Rock In Rio e empresas como a Vale patrocinaram um show às vésperas da COP que contou com artistas paraenses como Dona Onete, Gaby Amarantos e Joelma, além da cantora dos EUA Mariah Carey. O show, realizado em cima de um palco que imitava uma vitória régia, aconteceu numa área protegida que enfrenta erosão, turismo predatório e ausência do Estado. Reportagem da Pública com a Carta Amazônia mostrou que, fora dos holofotes, a Ilha do Combu está ameaçada justamente pelas mudanças climáticas e problemas socioambientais que a COP30 tenta resolver.

Muitos influenciadores usaram sua reputação ou expertise para associar os produtos das empresas à cultura pop ou reforçar seus supostos benefícios à saúde e ao bem-estar, em vez de abordar diretamente questões ambientais ou climáticas.

Segundo ativistas de clima, ao se associarem a celebridades brasileiras, os gigantes do agronegócio buscam desviar a atenção pública de suas crescentes emissões e evitar pressões para reduzir o consumo de carne, em favor de dietas à base de plantas, menos nocivas ao planeta.

A agricultura é responsável por cerca de um terço dos gases de efeito estufa que impulsionam o aquecimento global, enquanto a pecuária industrial e o desmatamento para cultivo de ração, como a soja, são as principais causas de destruição florestal, inclusive na Amazônia.

“Esse aumento [no uso de influenciadores] não é uma surpresa: ele reflete a nova estratégia das grandes corporações de legitimar suas ações e fortalecer sua reputação. Elas apostam em uma forma de comunicação mais humana e próxima, que se conecta com o público e influencia diretamente seus estilos de vida”, afirmou Eva Morel, secretária-geral do think tank de mídia francês QuotaClimat, que publicou em outubro um relatório sobre desinformação climática na mídia brasileira.

“O volume em si, no entanto, é preocupante e exige uma vigilância maior por parte dos formuladores de políticas públicas”, acrescentou Morel.

A Petrobras também recorreu às redes sociais antes da COP30, contratando um grupo de sete influenciadores da Geração Z nas áreas de ciência, clima e cultura para produzir conteúdos que apresentem a petroleira como uma campeã da energia limpa, segundo reportagem da Pública e DeSmog em setembro.

Postagem da Bayer, produtora de agrotóxicos, sobre a COP30

Empresas aumentam uso de influenciadores brasileiros

Para as dez empresas do agronegócio analisadas, o DeSmog baseou a pesquisa em conteúdos patrocinados ou de marca publicados no Instagram, coletados a partir da biblioteca de anúncios da Meta, empresa controladora do Instagram. O DeSmog também fez buscas manuais para identificar publicações patrocinadas que não estavam listadas na biblioteca de anúncios.

As empresas incluídas no levantamento foram: JBS, multinacional brasileira e maior produtora de carne do mundo; as também brasileiras MBRF e Minerva Foods; as gigantes globais de sementes e pesticidas Bayer, Corteva e Syngenta; a multinacional europeia de fertilizantes Yara; e as companhias norte-americanas de commodities agrícolas ADM, Bunge e Cargill.

Essas empresas foram selecionadas para representar toda a cadeia global de produção de alimentos, de produtores de insumos — como sementes, produtos químicos e fertilizantes — a processadores e exportadores de carne que abastecem mercados no Brasil e no exterior. Elas estão no centro de um modelo industrial de agricultura que gera quantidades crescentes de gases que causam efeito estufa, incluindo metano emitido pelo gado e dióxido de carbono produzido na fabricação de fertilizantes à base de combustíveis fósseis, que também podem liberar óxido nitroso poluente ao serem aplicados no solo.

A JBS, MBRF e Minerva foram responsáveis pelo maior volume de conteúdo com os influenciadores, representando três quartos das cerca de 200 parcerias identificadas.

No entanto, o maior aumento no uso de influenciadores foi registrado entre as europeias Bayer e Syngenta, do setor de pesticidas, e as norte-americanas Cargill e Bunge. Essas quatro empresas passaram de quase nenhuma ação com influenciadores no Brasil para um total combinado de 44 parcerias nos últimos 12 meses.

No geral, sete das dez empresas ampliaram o uso de influenciadores no último ano em comparação com o período anterior. As produtoras de fertilizantes Yara e Corteva, e a comerciante de grãos ADM, reduziram levemente ou não realizaram parcerias com influenciadores nos últimos dois anos.

A Syngenta afirmou que trabalha com influenciadores para “manter a relevância junto aos nossos públicos” e que “investir na produção de informação de qualidade contribui para o fortalecimento da ciência e da inovação em todas as áreas — especialmente na agricultura”.

A Yara se recusou a comentar. A JBS pediu mais informações sobre as propagandas citadas. As outras sete empresas não responderam aos pedidos de resposta.

Minerva Foods, que patrocinou influencers brasileiros, tem uma área dentro da COP30

Ativistas do clima afirmam que, ao se associarem a celebridades brasileiras, os gigantes do agronegócio buscam desviar a atenção do público de suas emissões crescentes e afastar as pressões para reduzir o consumo de carne em favor de dietas à base de plantas, que causam um impacto muito menor na saúde humana, no clima e no meio ambiente.

Um estudo de 2024 realizado por pesquisadores de saúde pública da Universidade de São Paulo (USP) descobriu que as quantidades excessivas de carne vermelha consumidas diariamente pela pessoa média no Brasil já estão aumentando os riscos de doenças como câncer, diabetes e enfermidades cardiovasculares, e excedem em muito a “dieta da saúde planetária”, recomendada pela Comissão EAT-Lancet para sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis e justos, que aumenta o consumo de alimentos de origem vegetal e reduz o de proteínas de origem animal.

Segundo a atualização revisada por pares da EAT-Lancet, publicada em outubro de 2025, as emissões que aquecem o clima provenientes da agricultura cairiam cerca de 15% se o consumo global de carne, gorduras saturadas, açúcar e sal diminuísse, enquanto as mortes relacionadas à nutrição cairiam em torno de 15 milhões por ano — o equivalente a salvar mais de 41 mil vidas por dia. Esses impactos seriam ainda maiores se as mudanças relacionadas à alimentação fossem além das dietas, observou a EAT-Lancet: “Uma transformação nos sistemas alimentares é fundamental para solucionar as crises relacionadas ao clima, à biodiversidade, à saúde e à justiça”.

Estratégia digital ajuda a reforçar imagem do agronegócio

Como país-sede da COP30, o Brasil colocou como um dos principais objetivos da conferência a “transformação da agricultura e dos sistemas alimentares”.

Do outro lado do balcão, o setor do agronegócio enviou centenas de lobistas e patrocina eventos para defender a tese de que a indústria pode enfrentar a crise climática com ajustes pontuais em seus negócios, em vez de adotar as mudanças estruturais profundas que cientistas do clima apontam como essenciais para reduzir drasticamente as emissões.

As grandes empresas de carne e agroquímicos têm usado táticas que incluem minimizar o impacto climático da indústria, defender soluções tecnológicas pouco confiáveis e argumentar que regulações obrigatórias ameaçam a saúde e a prosperidade humanas (confira as narrativas do agronegócio nas negociações).

Segundo uma pesquisa publicada em julho de 2024 pela Universidade Federal do Pará (UFPA), sete em cada dez brasileiros têm uma visão positiva do agronegócio.

Muitos dos influenciadores contratados pelas empresas analisadas pelo DeSmog estão entre as figuras mais populares da cultura pop brasileira, pagos tanto para promover produtos específicos, como hambúrgueres e nuggets, quanto para se conectar com comunidades online segmentadas.

O educador físico e apresentador de TV Márcio Atalla apareceu em um vídeo de fevereiro patrocinado pela Minerva, no qual afirmou aos seus 1,1 milhão de seguidores que a carne “é uma excelente fonte de proteína, vitaminas e minerais, essencial para a saúde, o ganho de massa magra e até para o coração!”. Atalla acrescentou: “Confio na Minerva Foods, que garante qualidade e tem compromisso com a sustentabilidade”.

Já empresas agroquímicas como a Syngenta escolheram criadores de conteúdo populares dentro da comunidade agrícola. O canal Primos Agro, administrado por dois primos que produzem vídeos satíricos sobre a vida no campo, publicou duas vezes, em setembro e outubro, para seus 2,1 milhões de seguidores, promovendo produtos de fertilizantes da Syngenta. Os vídeos somaram 280 mil curtidas.

Embora mais raramente, alguns influenciadores falaram diretamente sobre temas ambientais e climáticos.

A influenciadora do agronegócio Camila Telles, que participa frequentemente de eventos da direita e tem ligações com a Atlas Network, uma rede internacional de think tanks liberais, publicou em junho um vídeo patrocinado pela Minerva em que perguntava aos seus 455 mil seguidores: “Você sabia que a carne no seu prato pode ajudar o meio ambiente?”. No vídeo, ela descreve produções de carne de baixo carbono e pastagens que sequestrariam carbono da atmosfera.

Procurada, Telles respondeu que “as parcerias que firmo, existem justamente porque meu trabalho já é reconhecido pela abordagem séria, coerente e baseada em fatos sobre o agronegócio brasileiro. Elas não definem meu conteúdo — apenas ampliam o alcance de pautas que eu já defendo há anos, com ou sem patrocínio”. Veja a resposta completa aqui.

Alguns influenciadores chegaram a trabalhar tanto para empresas do agronegócio quanto para organizações ambientais. O comediante Fábio Cruz, que havia publicado conteúdo patrocinado pela marca de carnes Seara durante o festival The Town, em setembro, apareceu no mês seguinte em um post para o Greenpeace Brasil, vestindo uma camiseta com a frase “Respeitem a Amazônia”.

Marcas aumentaram anúncios próximos à COP30

O conteúdo com influenciadores foi apenas uma das armas no arsenal digital antes da COP30. As dez empresas analisadas também publicaram anúncios pagos no Facebook (Meta), Google e LinkedIn nos meses que antecederam as negociações climáticas.

Foram veiculados mais de 6 mil anúncios direcionados ao público brasileiro no Google, incluindo cerca de 350 anúncios em vídeo, com quase metade sendo publicada nos 30 dias que antecederam a conferência.

No fim de outubro, as empresas também tinham um total de 929 anúncios ativos no Facebook e no Instagram no Brasil. Como a legislação brasileira não exige que a Meta — empresa controladora do Facebook e do Instagram — mantenha anúncios inativos em sua biblioteca de publicidade, não foi possível determinar se as empresas haviam aumentado a quantidade de anúncios nessas plataformas.

Ainda assim, a análise sugere que as empresas tiveram um foco especial no Brasil. Em 31 de outubro, fabricantes de pesticidas como Bayer, Corteva e Syngenta tinham mais anúncios ativos no Facebook e no Instagram no Brasil do que em qualquer outro país.

O Brasil é o terceiro maior usuário de pesticidas no mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Assim como o conteúdo produzido por influenciadores, os anúncios geralmente evitavam abordar diretamente a questão das mudanças climáticas, mas serviam para justificar os modelos de negócios existentes das empresas, destacando os benefícios de seus produtos e serviços.

Um anúncio da Bayer afirmava: “Seguimos com a mesma missão: saúde para todos, fome para ninguém”, em referência ao seu ramo farmacêutico e ao de agroquímicos.

Um anúncio da JBS, promovendo oportunidades de emprego, convidava jovens recém-formados a se juntarem à empresa para “alimentar o mundo”.

Nos Estados Unidos, a subsidiária norte-americana da JBS fechou recentemente um acordo para encerrar um processo por publicidade enganosa movido pelo estado de Nova York. A procuradora-geral Letitia James havia processado a empresa por violar leis estaduais de proteção ao consumidor ao anunciar falsamente que zeraria suas emissões que aquecem o clima até 2040, depois que uma investigação de seu gabinete constatou que a JBS ainda não havia calculado suas emissões totais e não tinha um plano real para sustentar essa promessa.

Nos anúncios, a JBS USA “recorreu ao greenwashing e a declarações enganosas” para atender ao desejo dos consumidores por produtos ambientalmente responsáveis, afirmou o gabinete da procuradora-geral em um comunicado à imprensa — incluindo frases como: “A agricultura pode fazer parte da solução climática. Bacon, asinhas de frango e bife com emissões líquidas zero. É possível.”

A JBS concordou em pagar US$ 1,1 milhão ao estado para apoiar programas de agricultura resiliente ao clima em Nova York, mas afirmou em comunicado que sua decisão de fazer um acordo “não representa uma admissão de irregularidades”.