O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou nesta segunda-feira (6) uma audiência pública sobre a pejotização no Brasil. O tema tem como base o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, que analisa a validade da contratação de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços, burlando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O caso em específico remete a uma reclamação trabalhista em que um corretor de seguros entrou com o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego entre 2015 e 2020 com a Prudential do Brasil Seguros. O relator do caso é o ministro Gilmar Mendes, que coordenou a audiência.
Gilmar Mendes destacou os desafios e a complexidade do tema: “Esse novo contexto, ao mesmo tempo em que fomenta a liberdade de organização produtiva, tem impacto na sustentabilidade do sistema de seguridade social e na arrecadação tributária do Estado. Trata-se de uma equação complexa, que demanda ampla reflexão e diálogo entre os Poderes e a sociedade”.
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As centrais sindicais estiveram presentes em defesa dos trabalhadores. O assessor jurídico da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Magnus Henrique de Medeiros Farkatt, fez duras críticas à terceirização no Brasil, que passou a atingir atividades-fim, e defendeu que toda a tentativa de esconder vínculo empregatício seja declarada inconstitucional.
“Todas as vezes em que um contrato de prestação de serviços for utilizado com o objetivo de mascarar a existência de um vínculo empregatício, ele deve ser declarado inconstitucional e nulo de pleno direito por ofensa direta ao artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal brasileira”, explicou, ao defender que a primeira análise de vínculo deve ser de competência da Justiça do Trabalho.
Contramão do mundo
Farkatt também indicou que um estudo coordenado pelo professor Ricardo Antunes da Unicamp mostra que o Brasil está na contramão de tendências mundiais. Como expôs, a União Europeia recomenda que se reconheça como relação de emprego aquela estabelecida entre os trabalhadores de plataforma e as empresas que os contratam, a não ser que se tenha prova robusta em sentido contrário.
O advogado também ressaltou que na China existe um Código do Trabalho desde 1996 que protege a relação de emprego e que garante a remuneração da hora extra com um acréscimo de 150% sobre o valor da hora normal. Como comparação, no Brasil esse acréscimo é de 50%.
“Existem dados recentes da Ocde (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que evidenciam que a Alemanha, a economia mais pujante da Europa, gastou com remuneração de pessoal no ano de 2010 algo em torno de 50,5% do seu Produto Interno Bruto, elevando esse gasto para algo em torno de 54,5% no ano de 2024. No Brasil, nós percorremos uma trajetória inversa. Nós gastamos no ano de 2010, 41,6% do nosso PIB com remuneração de pessoal e reduzimos esse gasto para 39,2% no ano de 2021, de acordo com dados do Ibge. Qual a conclusão óbvia? Enquanto no mundo inteiro cresce a relação de emprego, no Brasil estamos fazendo um percurso no sentido contrário, de maneira absolutamente injustificada”, afirmou.
Arrecadação
O representante da CTB também ressaltou estudo da Fundação Getúlio Vargas que demonstra que no período de 2017 a 2023, houve uma perda de arrecadação tributária da ordem de R$ 150 bilhões em decorrência do processo de pejotização no Brasil, causando evidentes prejuízos à prestação de serviços públicos oferecidos à sociedade.
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Por fim, mostrou estudo da Universidade Federal de Minas Gerais que estima uma perda de R$ 97 bilhões por ano se 15% dos trabalhadores que possuem carteira de trabalho assinada hoje forem convertidos para pessoa jurídica: “Vai seguramente colapsar todo o sistema previdenciário do nosso país”, completou Farkatt.
Supressão de direitos
Para os trabalhadores, a pejotização traz como principal consequência a supressão de direitos e dificulta a representação sindical. O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, fez um alerta ao elencar as perdas:
“A pejotização significa a supressão de direitos trabalhistas fundamentais como férias, décimo terceiro, jornada definida, horas extras, descanso semanal remunerado, licença-maternidade, paternidade. Todos esses direitos são conquistas históricas, e deixam de existir quando o trabalhador é transformado artificialmente em pessoa jurídica. Além disso, há um impacto direto sobre a Previdência Social”, afirmou.
FGTS e representação sindical
Torres salientou como consequência o esvaziamento no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): “deixa de ser recolhido, retirando dos trabalhadores a única poupança compulsória que lhes dá algum amparo em momentos de desemprego ou necessidade”.
Ele ainda indicou que a falta de reconhecimento trabalhista impacta o Sistema S, que compreende o conjunto de nove entidades privadas sem fins lucrativos, entre elas Sesi, Senai e Sesc, que prestam serviços de interesse público.
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O presidente da Força ressaltou que a pejotização traz prejuízos ao atacar a principal forma de defesa coletiva dos trabalhadores, a representação sindical.
“Do ponto de vista coletivo, temos ainda o esvaziamento da representação sindical. Se cada trabalhador passa a ser pessoa jurídica, a negociação coletiva se torna inócua, enfraquecendo as convenções coletivas, que são tão importantes para a vida dos trabalhadores. O poder de barganha desaparece, o diálogo social, tão importante para a democracia, se vê ameaçado”.
Concorrência desleal
Torres lembrou que no campo econômico, a pejotização gera concorrência desleal entre empresas, pois aquelas que cumprem a legislação trabalhista ficam em desvantagem diante das que não cumprem para reduzir custos.
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“Isso desequilibra o mercado e penaliza justamente quem atua nessa forma correta. O resultado desse processo é a judicialização massiva, milhares de trabalhadores buscarão o reconhecimento na justiça [caso a pejotização seja legalizada], abarrotando ainda mais o Judiciário e criando insegurança jurídica, representando, em última instância, um retrocesso social, uma afronta direta aos princípios constitucionais que regem a ordem econômica e social do nosso país”, advertiu.
Audiência
Os julgamentos sobre pejotização nas cortes trabalhistas estão parados desde abril por determinação do ministro Gilmar. A expectativa é que o colegiado do Supremo determine, em breve, uma resolução geral sobre os reconhecimentos de vínculos empregatícios, destravando os processos e a atuação do Judiciário.
A audiência contou com mais de 40 expositores ligados ao tema, escolhidos com base em 508 inscrições. O decano do STF determinou a escolha dos participantes na audiência com base em requisitos legais de experiência e autoridade sobre o assunto.
Participaram da abertura o advogado-geral da União, Jorge Messias, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o subprocurador-geral da República, Luiz Augusto Santos Lima, entre outras autoridades.
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